esferas #2: agora ninguém mais quer ser latino
pra onde aponta a bússola do pop latino e o que eu curti ouvir esse ano
Parece que foi ontem (porque meio que quase foi, em 2022) que o Bad Bunny mandou um "agora todos querem ser latinos" no meio de um álbum que foi o segundo cantado exclusivamente em espanhol a atingir o primeiro lugar na Billboard 200 (o primeiro foi o anterior dele, "El Último Tour Del Mundo").
De 2020 em diante a ascensão do reggaeton e pop latino como um todo parecia imparável nos EUA e demais países que recebem deles grande influência cultural (cof cof Brasil). Mas minha impressão é que ela meio que parou? Fui conferir os discos e faixas que tinha ouvido esse ano e não me parece que nenhum dos trabalhos de artistas de países da América Latina (mesmo os de artistas grandes) tiveram muito destaque.
A Shakira fez barulho no ano passado com sua Bzrp Music Session e o feat "TQG", com a Karol G, mas o lançamento de seu álbum em março deste ano não trouxe nenhum novo hit. O Peso Pluma, que lançou um outro disco pra seguir o sucesso do debut "Génesis" de 2023, também falhou em alcançar o mesmo êxito: nenhuma faixa chegou perto de chegar no top 5 da Billboard, como sua "Ella Baila Sola" tinha feito no ano passado.
No Coachella, em que Bad Bunny, J Balvin, Karol G, Peso Pluma e Bizarrap brilharam em anos recentes, em 2025 teremos entre os representantes do pop latino somente o Ca7riel e Paco Amoroso (entrarei nesse assunto mais abaixo) e Anitta, e nenhum como headliner.
Também nesse ano acho que ficou ainda mais ridiculamente claro o abismo entre Grammy e o Latin Grammy – cuja cerimônia acontece em Miami e indica artistas espanhóis e portugueses com frequência, já que as categorias são separadas por língua e não por nacionalidade.
Apesar da relevância enorme do pop latino, são pouquérrimos os artistas que conseguem ultrapassar essa barreira e serem indicados em uma categoria grande da premiação principal; nas indicações de 2025, consegui identificar somente o Édgar Barrera, produtor de ascendência mexicana que é o segundo maior vencedor da história do Grammy Latino e teve até hoje duas (duas!) indicações ao Grammy principal.
A morte do reggaeton
O que eu sinto que está acontecendo é que o pop americano e inglês se encontrou novamente esse ano – vide brat, Chappell, Sabrina Carpenter e companhia – e não precisa mais da influência latina e de importar artistas latinos para se manter de pé. Tendências outras, como a inclusão de ritmos africanos e a mistura do rap com o country, também se sobressaíram em hits internacionais desse ano.
Isso me lembra um outro momento da cultura pop ocidental – lá no final da década de 2000, ao mesmo tempo em que Lady Gaga, Katy Perry e Rihanna brilhavam, a mídia americana começou a declarar a "morte do reggaeton". Mas dois ou três anos antes dessas constatações, artistas como Don Omar e Daddy Yankee dominavam as rádios com o que era chamado de "hurban" ou "hispanic urban".
Um estudo da Billboard na época mostrou que, apesar de Omar e Yankee terem aumentado sua audiência nesta época de início de mercado digital, eles já não contavam mais com distribuição de grandes gravadoras para fazer sua música continuar sendo relevante nos Estados Unidos. As labels americanas também pararam de assinar com novos artistas de reggaeton. A produção, é claro, nunca parou – esses dois, e outros, são artistas com carreiras gigantescas na América Latina. Mas os números mundo afora deram uma estacionada pela falta de incentivo.
Com algumas exceções (como "Bailando"), isso só foi começar a mudar com "Despacito" em 2017, quando a indústria americana começou a prestar atenção no reggaeton novamente. Dali pra frente se projetaram J Balvin, Maluma, Bad Bunny, Karol G, e companhia. Na Espanha, o gênero também ganhou tração a partir da metade dos anos 2010, com artistas locais como La Zowi, Rosalía, Bad Gyal. E o resto da história vocês sabem.
Los que pueden, pueden
Mas também é possível dizer que nós somos cada vez menos vulneráveis à influência americana na hora de entrar em contato com música latina. Me parece que tem muita coisa que acaba chegando aqui de muitos lados, seja pelos rolês, festas, raves e festivais que estão aclimatando o público brasileiro cada vez mais com artistas latinos ou pela nossa querida e amada internet.
Um exemplo são os próprios Ca7riel & Paco Amoroso que, pelo menos pela demográfica das pessoas que eu sigo no Instagram, foram a maior coisa que rolou em pop latino neste ano com um Tiny Desk lançado no ano passado que é sim ótimo e divertido (e a banda é incrível). Fui ouvir o disco que eles lançaram esse ano e não achei lá essas coisas, mas vale pelo carisma das rimas dos dois.
Esse ano, também vi tocarem o Nick León (no festival Não Existe, da Gop Tun), o Lechuga Zafiro (na Mamba Negra) e a Tayhana (no Sónar, em Barcelona), e venho achando que essa "latin club music" têm cada vez mais sido uma parte importante de avançar a música eletrônica.
Algo que eu acho que ainda não tem (tanta) penetração em outros mercados mas que venho curtindo muito é o rap hispanohablante, principalmente o Argentino. Curti muito os discos do Dillom e da Nathy Peluso, mas se eu pudesse escolher um pra recomendar seria o do L-Gante. Ele é precursor de RKT, um subgênero de cumbia que nasceu nos "barrios" da área metropolitana de Buenos Aires, e ficou preso por meses antes de conseguir sair e lançar "Celda 4", que é cheio de beats insanos.
Também tem a turma do México fazendo os corridos tumbados, que mescla os clássicos corridos mexicanos com ritmos mais do hip hop e R&B. Pra mim, nenhum bate o do Peso Pluma no ano passado, mas ele mesmo, Tito Double P e Ivan Cornejo também fizeram discos interessantes nesse ano.
Tenho certeza que tem mais coisa interessante por aí. Se tem alguma coisa que eu deixei de fora e você adorou, por favor, me dê essa dica.
miudezas:
Curti muito essa matéria de infográficos da pudding sobre a decaída — ou não — das canções de amor
Vi o show da Uana na Casa Natural Musical na semana passada e achei ela demais; finalmente fui ouvir o disco dela, “Megalomania”, e fez jus à impressão
Até semana que vem!
Amei esse texto. Por favor continue escrevendo
Muito interessante, sua análise! Parabéns, que alivio ver a Nathy Peluso aí. <3 Acredito que essa onda latina retorna em algum momento, mas de uma maneira mais estratégica e repaginada, com europeus cantando em espanhol ou imigrantes da geração de 7294729 de hispano hablantes que residem em outros países não latinos. Já visitei alguns países da Latam e é impressionante o quanto os modismos de Porto Rico, República Dominicana, Colômbia vão tomando outras caras e muitos pegam ideias desses lugares e isso vai se expandindo com rostos de pessoas que necessariamente, não seriam lidas como latinas.
The Marías faz um sucesso absurdo no meio indie cantando em espanhol e inglês. Tokisha furando bolhas. Judeline, Yendry, C. Tangana no tiny desk aclamadissímo, Lua de Santana kinga. Ahhhh, acho o Trueno e Alvaro Días que parece meu namorado (ainda bem) talentosos ao extremo. Gosto da Maria Becerra também mas acho a identidade visual terrível.
Fofoca e pensamentos: amo que a Liniker tá amigona da Nathy Peluso, escute Calambre <3 ou a música do primeiro álbum Corashe, perfeita, meu deus. Não vejo a hora da gata pisar em terra tupiniquim, me incomoda profundamente o fato dela sofrer hate de argentos bobos. Porque dizem que ela força o acento argentino, pois viveu boa parte da vida na Espanha com os pais. Sendo que ela sempre exalta a Argentina em todas as oportunidades. Acho que o foco daqui a alguns anos será cantar em espanhol (independente da nacionalidade da gringaiada)
Tem um mercado incrível e sedento!